02 dezembro 2009

Miragens...

Fim de ano chegando, Tico e Teco à beira de um ataque apoplético nesta quase finda rotina escolar de corredores ruidosos, paredes brocadas, tetos despencados, janelas quebradas... ao chão jaz um armário bichado de portas entreabertas e intocáveis (afinal quem cutucaria as dobradiças daquele lúgubre santuário?) Mas eis que uma amarelada folhinha recortada de jornal, dependurada por um percevejo, faz o irriquieto Teco e sua verve jornalística meterem a mão na cumbuca, digo, na porta do armário e despregar de lá o papel. Um pequeno artigo não datado sob a rubrica de Ernst Widmer, tá lá "(*professor titular da EMAC/UFBA)". Ali, entre temas e variações, o fundador do célebre Grupo de Compositores da Bahia considera: "(...) Na verdade padecemos de uma miragem: o conflito entre tradição e inovação, entre o institucionalizado e o não, entre ensino dogmático e ensino heterodoxo, é um conflito apenas aparente e efêmero. (Se compararmos hoje as músicas de ferrenhos opositores como Wagner e Brahms, constatamos mais semelhança que diferença. Desse modo, parecem irrelevantes as críticas que uma corrente faz à outra). Essa miragem seduz a relevar em vez de instigar, a elogiar em lugar de questionar, a consentir em vez de divergir com os nossos pares. Questionar teorias, atuações, instituições e sistemas é saudável". Tico também lê, saem os dois dali reenergizados, quase tranquilos, olhos contemplativos, quase saudosos, de que tais palavras estão a reverberar de alguma forma naqueles corredores ruidosos, naquelas paredes brocadas e armários abandonados...

13 outubro 2009

Lé com Cré

Teco tenta ensinar a Tico a técnica da meditação seguida de um longo expirar em 'oooommmm', mas este, temperamental, costuma mandar às cuias qualquer insight de inspiração oriental. Com índice zero de tolerância, profere sistemáticos impropérios em reuniões familiares e, principalmente, no trânsito. Aliás, engarrafamentos, filas de supermercado, atendentes de call center e repartições públicas lhe causam delirium tremens. Teco é o oposto, sabe escutar, conciliar, ponderar, acalmar os ânimos (o próprio e os alheios). Tico é tranco, Teco é tantra... o mundo é assim... mas pode ser assado... vezes Yin... vezes Yang... branco com bolinhas pretas... preto com bolinhas brancas... um grito no silêncio... o silêncio no grito... a mão que afaga... que apedreja... o norte... o sul... o leste... o nonononononono............


15 setembro 2009

Pleno neologismo sonoro



Talvez seja mera relação cármica, talvez o Congo seja ali ou aqui, acolá, colé...
O Congo de Lokua Kanza é franco. É afro-franco-brasileiro.
Nada que precise explicar.
Aliás, vamo combinar que nada que preenche precisa.
Dispensa traduções, embora traduza aos montes.

(clique meu com máquina emprestada)

29 agosto 2009

Só Bob salva!

Quem tem a pachorra de acompanhar as atividades do Senado deve mesmo chorar, mas vá lá que tem seu lado divertido. Ler, por exemplo, as 32 páginas da ata de apreciação do relatório final da CPI do Apagão Aéreo é salutar pra quem ainda não fez seu mea culpa perante o medo da Regina Duarte. É por isso que o Walter Sales acha fácil ganhar prêmios com documentários made in Brazil. No país do absurdo, quem irá dizer que a realidade não é muito mais cinematográfica que a ficção? Música de fundo(s): "Um dia alguém me falou que eu cresceria num país tão belo/ Tudo verde e amarelo/ Todo mundo sincero.../ Marmelada, Tô comendo nada!" E esse Back2Black, alguém explica por que Marina Lima e Marisa Monte entraram na programação?

11 agosto 2009

Tem mais Sampa no 'sol' do que na lua...


(foto by André Stangl)

Caetano, eu tinha que lembrar... na direção do albergue, no cruzamento da Ipiranga com a Av. São João, no tropeço de apressados mascarados (nesse caso, não os foliões), na real deselegância de meninos e meninas. Eu, no avesso da aparente expectativa que dá disposição à cidade para encarar a si mesma, cantando Chico, errando toda a letra e trocando 'samba' por 'Sampa', admirando o pôr do sol no Ibirapuera... colou.

18 julho 2009

Music face to face

Uma disposição diferente para se ouvir música surgiu desde que a tecnologia possibilitou o armazenamento do som. Levar música para casa foi um avanço em termos mercadológicos, mas também um fato revolucionário do ponto de vista sociocultural, um "vandalismo artístico" de que fala Antony Hopkins, uma fragmentação cognitiva experimentada pela sociedade contemporânea. No tempo individual, diametralmente oposto à velocidade dos acontecimentos, o que significa 'desligar' Mozart ao chamado do telefone e ler apenas as manchetes dos jornais? O que significa o recorte imposto pelo mundo moderno que nos faz priorizar o efêmero (a chamada) em detrimento do estável (a gravação)? A música que convive com a realidade do play/ pause/ repeat/ skip/ random, em novas formatações e escutas improváveis, torna-se o quê? Um acessório ou uma ponte para a diversidade? Recriada no tempo/espaço, é matéria de uma nova arte ou entulho na embrulhada audivisual do mundo globalizado? Será o surrealismo sonoro? A "experimentação total da esterilidade"? (parafraseando o Dalí), ou a crazy animation com paisagens oníricas de um tempo de verão?


03 julho 2009

A tempo: há tempo?

Sou do tempo. No tempo. Só tempo.

15 junho 2009

Gil Visionário

A propósito da pauta diária... do apocalíptico...



...a (há) diferença (?)

06 junho 2009

Do som à sonolência (e vice-versa)

Amanheci com sons de Villa e Bártok em meus sonhos matinais. Uma trilha tonal-quase-atonal que invadiu meu instável-quase-estável estado de espírito... Adormeci de novo e fiz uma regressão ainda mais radical, com direito a cítaras e castelos medievais.
P.S. O dia não estava chuvoso

22 maio 2009

"E priu" (*)



Uma que nunca me saiu da cabeça: "No Brasil, a aspiração é americana, mas a organização é macunaímica". A frase fulminante é da Pimentinha e deveria elencar o topo da lista dos mais sábios provérbios nacionais. Poderia também ser completada com "e a vergonha passou longe". Aplica-se a tudo, a começar pelos jornais que fingem que explicam (enquanto os leitores pensam que entendem...). De cada dez chamadas, metade vem com sigla. E tome-lhe PAC, IPC, IPI, CPI, TCM, H1N1... Mas não fica nisso porque "de acordo com a PME" ou "como diz FGV", a "OCDE vê chance de recuperação"... Vê??!! A PQP também vê! E a nossa vocação babilônica produz mais um de seus elefantes brancos que atende pelo nome de 'Cidade da Música', uma utopia de malandros que fez evaporar dos cofres públicos mais de R$ 1 bilhão, mas "nenhum processo aberto foi concluído...". Aí só dá pra evocar o Bezerra da Silva: "malandro é malandro e mané é mané..." Agora adivinha quem é o mané?
(*) essa é de um amigo gaúcho. Segundo ele, a expressão é pernambucana e quer dizer "chega", "deu". Em bom baianês, "morreu aí, tá ligado?".

09 maio 2009

Da lama ao caos ou à imunização

Depois de velejar e encalhar durante horas no caos da cidade, Tico, exasperado, quase abandona seu barco inflável em plena Avenida Vasco da Gama. Foi Teco quem, providencialmente, escondeu aquele pé-de-pato... Enquanto a água do radiador ia pelos ares, a água que vinha dos ares afogava o resto... Só restou apelar para os chapas intergaláticos, que em comitiva, o resgataram em uma brilhante nave. No baile espacial, os alquimistas de Jorge, os discípulos de Sun Ra e outros seres cósmicos dançavam ao som racional de Tim Maia.


27 abril 2009

Momento de fúria I

A era das armas biológicas - quiçá disfarçadas de gripes epidêmicas letais - está aí. O homem, que não enxerga mais nem meio palmo adiante da cara, fermenta na obtusidade. O avanço tecnológico, a ganância corporativista e o retrocesso jurídico caminham de mãos dadas. Enquanto isso, montadoras continuam a desafogar seus pátios, mas o trânsito já parou faz tempo. Democracia, digo, demagogia (é por acaso?). Jornal e press release (qual é mesmo a diferença?). E o matuto (que atira no que vê e acerta no que não vê) dispara de lá: "Eita, calorão, sô! Culpa da globalização!". Epa, epa, epa!, diria o tipo fake encarnado pelo Fagundes naquela novela... qual é o nome... por que diabos eu nunca consigo lembrar o nome de nenhuma novela? Qual era mesmo o assunto antes de baixar aqui esse mau espírito mirisolense? Ah, tá, eram os excessivos Gogol Bordello. Aqui, uma boa matéria em português sobre essa babel étnica apocalíptica.

22 abril 2009

Yes, nós temos Tom Zé!

Cinquenta anos depois que a Bossa Nova 'inventou o Brasil', tinha que ser Tom Zé para reinventar a Bossa. O arremate dourado da trilogia que se debruça sobre o samba e seus congêneres com inteligência, irreverência e concupiscência.. uau... escarafuncha o que a tralha eletrônica nunca ensaiou fazer... entre autópsias e arrepios, solapa e exalta bimbons em sétimas e nonas "ou coisa que o valha"... Só mesmo o tom ardil desse Tom.


10 abril 2009

Aimer et humeur

Do cemitério direto para a Paris dos anos 50. Não me perguntem por que, mas esse tema do Alain Romans, como diz o verso de Aldir Blanc (ou será Guinga?), 'me faz respirar'... E nada melhor que un musique mémorable para compor a genialidade sui generis do Tati/Mr.Hulot, minha paixão.

06 abril 2009

Toca Eliiiiiis!


E eis a foto que fiz da lápide de Elis. É isso mesmo. Tinha esse poster aí ao lado, um tanto desbotado, e mais um punhado de flores castigadas pelo sol. Confesso que tive vontade de levar comigo o quadro, mas aí fiquei com medo do tamanho da profanação... Claro que isso faz tempo, naquela fase de identificação com o ídolo em que você não consegue discernir o grau de razoabilidade de seus impulsos. Tal e qual os fãs de Raul, me vi sentada na grama e aos prantos. Por pouco não entrei numas de ficar ali cantando o repertório clássico da Pimentinha... Melhor pular a parte do trajeto até o Cemitério do Morumbi, minha pobre mãe que o diga (pais de adolescente entram em cada tranco...). Resta a lembrança nostálgica daquele momento quando, aos pés da sepultura da maior cantora que este país já teve, percebi que realmente ELIS VIVE!

29 março 2009

Salvador, será?

Minha negra Soterópolis, vêm de Caramuru tantas notícias sobre os seus encantos? De primeira a terceira capital do Brasil, São Salvador despencou bem mais em matéria de IDH. Será que o Boca do Inferno antevia as taxas que, em pleno século XXI, alinhariam a pobreza da 'capital da alegria' com a de países africanos como a Namíbia?

27 março 2009

Uma martelada na memória

Rerrégi (minha amiga, prima da Bebete, a do Benjor), além de grande jornalista, é uma especialista em old songs. Abaixo, uma de suas inestimáveis garimpagens. A propósito, darling, favor enviar a edição revista e ampliada da sua lista, viu? senão... datemi un martello...

25 março 2009

Efeito Ludovico

Tá bom, o Pólo Norte foi só um delírio. A real é que o balde de gelo que Tico carregou dias a fio a tiracolo não lhe fez muito bem... E Teco, que por sua vez saiu por aí vestido (ou seria despido?) de Sansão, só fez completar o serviço: foi buscar a famigerada Dalila. O resultado (além, claro, do kit febre-frio-suores-dores-catarro-indisposição) foi um intensivão sobre os achados&perdidos da discoteca da vizinhança. Imagine você de cama, prostrado, nauseado, quase um moribundo, mas com os ouvidos mantidos em posição de sentido, do amanhecer ao anoitecer, sob o efeito de decibéis que o conservam no limite da sanidade. Vendo (ou melhor, ouvindo) a banda podre da laranja mecânica que despeja ondas intermitentes de uma batida cuja timbragem característica (de teclados Cassio) altera por completo a sua percepção. Um ato dantesco, um mundo destapado em sua mente, uma experiência insólita e, ao mesmo tempo, reveladora. A lucidez, a loucura... muitas ondas, muitas ondas.


19 março 2009

Efeito estufa


Da série todo-mundo-quer-fazer-sua-top-list. E diante do calor que tá fazendo porraqui, 10 das mais ensolaradas canções brazucas de todos os tempos... Só 10 porque Tico e Teco foram se refrescar no Pólo Norte.

Por ordem de (parca) memória:

1. Trem da Juventude (com Paralamas)
2. Trem Azul (com Elis)
3. e mais um... Trem das Cores (com Caetano)
4. Abri a Porta (com A Cor do Som)
5. Clarear (ééé... Roupa Nova tá valendo!)
6. Cometa Mambembe (com Zé Ramalho)
7. Caio no Suingue (com Plap)
8. Quero (tb com Elis)
9. Essa Alegria (com Lenine)
10. Aquele Abraço (Gil pra fechar)

13 março 2009

Oh linda situação para um assovio...


"Tenho dois rios correndo no leito de minhas veias"... Alceu num assovio e, até onde a vista alcança, íngremes ladeiras e o Sol, num desafio constante, a faiscar nas cores fortes do relicário. O mistério na pulsação do baque que cola direto no peito, num contratempo de batimentos que tremula até a alma. O som se propaga em meio a souvenirs e artes diversas, e contagia, entranha, en-canta... Olinda... "a saudade me sangrando com talho de bisturiiii". Alceu, assovio e... bênção, Ferrugem! Valeu, Science, Maciel, Eddie, Raízes! E eu ali, de godê-pavão...

12 março 2009

Bee Gees gourmet

Não dá. A gente bem que tenta não avacalhar com o negócio, mas aí vem um de lá e sugere o troço... então você acha genial e... é o fim... não consegue mais parar de cantar "Vou regar com molho shôÔôôyo...". E que fome! É covardia a satisfação do 'chef' ao "fritar a carne na manteiga quennntttchii..."


10 março 2009

Apoteose

Hermeto Pascoal & Sivuca. MÚSICA, simplesmente. Aquela que, segundo definição de Victor Hugo, "expressa o que não pode ser dito em palavras mas não pode permanecer em silêncio".



09 março 2009

Emoção transparente

Em 2005, tive o privilégio de conversar com Mariza, por telefone. De Lisboa, ela falou do então novo álbum produzido por Jacques Morelembaum, da visita que fez à Bahia e do "destino" fadista que a arrebatou. E lá se vão quatro anos... Descobri AQUI que o texto foi reproduzido na íntegra. No blog antigo, eu já tinha feito alusão a Mariza e, esta semana, me enviaram um link que me fez ter vontade de aportar em Sintra e de volta às sessões de fado.